Copa 2014 para quem?
por Sócrates
Na semana passada, eu e meu filho Gustavo, fundador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, publicamos na Folha de S.Paulo um manifesto que declara a nossa visão sobre a Copa do Mundo a ser disputada no Brasil em 2014. Gostaria de dividi-lo com nossos leitores:
As idéias tratadas adiante pretendem aprofundar a discussão acerca da Copa do Mundo a ser sediada no Brasil. Não tenha dúvida, caro leitor, da nossa felicidade pela indicação do nosso país como sede do grande encontro futebolístico de 2014. Essa felicidade, entretanto, não pode nos cegar sobre o abismo que nos separa das condições necessárias para merecermos tal indicação. O futebol é fenômeno social, parte fundamental da cultura do País, inegável elemento de identidade nacional e extremamente simbólico. O futebol brasileiro (dentro e fora de campo) muito diz sobre o que nós somos, nossos valores, a dinâmica social e as relações de poder. É uma mostra didática do que é o Brasil. A Copa do Mundo não deve ser analisada sob ótica diferente.
A falta de condições salta aos olhos nos primeiros movimentos realizados rumo à indicação e, a partir de agora, à organização deste megaevento. Ao se verificarem as lideranças que ameaçam tomar frente do processo, é possível antecipar o futuro de apropriação do bem coletivo, da personificação maliciosa da obra social difusa, da preponderância de interesses indignos e ilegítimos em benefício de si mesmos, de seu pequeno grupo e na defesa do podereco que eterniza essas práticas no futebol (e no País).
O comitê organizador da Copa 2014 anunciado há dias é o melhor retrato: uma só pessoa, que tudo pode e a ninguém presta satisfação e contas. Voltamos ao feudalismo!
Mas não devemos nos preocupar. Qualquer evento esportivo acontece por si só. É só a bola rolar que as atenções se direcionam para o campo e esses “requintes” se esvaem e depois são esquecidos com a avalanche de informações direcionadas – especialmente as veiculadas pelo império midiático, onipresente e onipotente no futebol, e que tem papel fundamental no atraso das instituições esportivas. Sempre foi assim no Brasil, não é?
O que interessadamente ignoram, e querem que ignoremos, é o potencial mobilizador e transformador social desse fenômeno jogado com os pés. Essa é a legítima função do futebol, e que, se aflorasse, não encontraria limite para transformar realidades, integrar culturas e pessoas, formar cidadãos e consciências, enfim, servir de vetor do desenvolvimento e igualdade. Este é o entendimento fundamental que nos falta, a essência que daria sentido a uma Copa do Mundo no Brasil, e que, com esses valores, por beneficiar a todos (benefício verdadeiro, não apenas a felicidade fugaz por assistir a alguns jogos), nos faria, com muito orgulho, merecer tal evento.
Nem mesmo em relação às melhorias dos equipamentos urbanos, conseqüência do fato de sediar evento dessa magnitude, pode-se afirmar que temos condições para tal. É o que se verifica com a experiência do Pan-Americano. Apesar de inúmeras promessas de legados fantásticos e benfeitorias maravilhosas, passada a competição pouco se verifica de melhoria na vida cotidiana do carioca. O que se viu foi uma imensidão de recursos públicos investidos de forma nada transparente, usados, em sua maioria, para maquiar ações sociais provisórias e, portanto, ineficientes, para fazer melhorias urbanas não prioritárias e para construir praças esportivas que servem aos mesmos citados anteriormente, seja em forma de concessões à exploração privada a preços ridículos, ou mesmo para um efêmero “circo sem pão” esportivo que serve para sustentar esse podereco.
Neste cenário, o mais cruel é perceber que o único que merece vivenciar uma Copa do Mundo, devido à paixão delirante dedicada ao futebol, pela intensidade com que esse esporte é parte de sua cultura e identidade, é o mesmo que, também por tudo isso, não é estimulado a discernir sobre a manipulação de sua paixão e a enxergar essa realidade. Ou seja, o torcedor brasileiro.
Sob esses aspectos, com uma visão mais profunda e complexa, que insere a Copa do Mundo e o próprio futebol dentro do contexto social e político, driblando a idéia e o poder dos contrários, enfim, por ir além da festa e do futebol, ainda que sufocando o torcedor dentro de nós, não vemos condições de o Brasil sediar um evento com tal magnitude e simbolismo e, ao mesmo tempo, proporcionar transformações na realidade social do NOSSO país, que é o que a nós (sonhadores de um Brasil mais humano e justo) interessa.
Na semana passada, eu e meu filho Gustavo, fundador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, publicamos na Folha de S.Paulo um manifesto que declara a nossa visão sobre a Copa do Mundo a ser disputada no Brasil em 2014. Gostaria de dividi-lo com nossos leitores:
As idéias tratadas adiante pretendem aprofundar a discussão acerca da Copa do Mundo a ser sediada no Brasil. Não tenha dúvida, caro leitor, da nossa felicidade pela indicação do nosso país como sede do grande encontro futebolístico de 2014. Essa felicidade, entretanto, não pode nos cegar sobre o abismo que nos separa das condições necessárias para merecermos tal indicação. O futebol é fenômeno social, parte fundamental da cultura do País, inegável elemento de identidade nacional e extremamente simbólico. O futebol brasileiro (dentro e fora de campo) muito diz sobre o que nós somos, nossos valores, a dinâmica social e as relações de poder. É uma mostra didática do que é o Brasil. A Copa do Mundo não deve ser analisada sob ótica diferente.
A falta de condições salta aos olhos nos primeiros movimentos realizados rumo à indicação e, a partir de agora, à organização deste megaevento. Ao se verificarem as lideranças que ameaçam tomar frente do processo, é possível antecipar o futuro de apropriação do bem coletivo, da personificação maliciosa da obra social difusa, da preponderância de interesses indignos e ilegítimos em benefício de si mesmos, de seu pequeno grupo e na defesa do podereco que eterniza essas práticas no futebol (e no País).
O comitê organizador da Copa 2014 anunciado há dias é o melhor retrato: uma só pessoa, que tudo pode e a ninguém presta satisfação e contas. Voltamos ao feudalismo!
Mas não devemos nos preocupar. Qualquer evento esportivo acontece por si só. É só a bola rolar que as atenções se direcionam para o campo e esses “requintes” se esvaem e depois são esquecidos com a avalanche de informações direcionadas – especialmente as veiculadas pelo império midiático, onipresente e onipotente no futebol, e que tem papel fundamental no atraso das instituições esportivas. Sempre foi assim no Brasil, não é?
O que interessadamente ignoram, e querem que ignoremos, é o potencial mobilizador e transformador social desse fenômeno jogado com os pés. Essa é a legítima função do futebol, e que, se aflorasse, não encontraria limite para transformar realidades, integrar culturas e pessoas, formar cidadãos e consciências, enfim, servir de vetor do desenvolvimento e igualdade. Este é o entendimento fundamental que nos falta, a essência que daria sentido a uma Copa do Mundo no Brasil, e que, com esses valores, por beneficiar a todos (benefício verdadeiro, não apenas a felicidade fugaz por assistir a alguns jogos), nos faria, com muito orgulho, merecer tal evento.
Nem mesmo em relação às melhorias dos equipamentos urbanos, conseqüência do fato de sediar evento dessa magnitude, pode-se afirmar que temos condições para tal. É o que se verifica com a experiência do Pan-Americano. Apesar de inúmeras promessas de legados fantásticos e benfeitorias maravilhosas, passada a competição pouco se verifica de melhoria na vida cotidiana do carioca. O que se viu foi uma imensidão de recursos públicos investidos de forma nada transparente, usados, em sua maioria, para maquiar ações sociais provisórias e, portanto, ineficientes, para fazer melhorias urbanas não prioritárias e para construir praças esportivas que servem aos mesmos citados anteriormente, seja em forma de concessões à exploração privada a preços ridículos, ou mesmo para um efêmero “circo sem pão” esportivo que serve para sustentar esse podereco.
Neste cenário, o mais cruel é perceber que o único que merece vivenciar uma Copa do Mundo, devido à paixão delirante dedicada ao futebol, pela intensidade com que esse esporte é parte de sua cultura e identidade, é o mesmo que, também por tudo isso, não é estimulado a discernir sobre a manipulação de sua paixão e a enxergar essa realidade. Ou seja, o torcedor brasileiro.
Sob esses aspectos, com uma visão mais profunda e complexa, que insere a Copa do Mundo e o próprio futebol dentro do contexto social e político, driblando a idéia e o poder dos contrários, enfim, por ir além da festa e do futebol, ainda que sufocando o torcedor dentro de nós, não vemos condições de o Brasil sediar um evento com tal magnitude e simbolismo e, ao mesmo tempo, proporcionar transformações na realidade social do NOSSO país, que é o que a nós (sonhadores de um Brasil mais humano e justo) interessa.
FONTE: Revista Carta Capital