terça-feira, 23 de junho de 2009

Ronalducho e Pelé? Dinheiro ou felicidade?

O melhor texto que li para a gente refletir sobre a vida neste dia de Natal foi publicado em O Globo na edição do último dia 19, sexta-feira. Guardei-a para partilhar com vocês hoje o artigo “Ronaldo está doente”, do escritor Roberto Lima Netto, ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional.
O leitor pode, com toda razão, me indagar o que têm a ver com o Natal o antigo Ronaldo Fenômeno, hoje mais conhecido por Ronalducho, e o eterno Rei Pelé.
Mas, certamente, entenderá as lições que nos dão estes dois ídolos do futebol, um em episódio do início da sua longa trajetória e outro em precoce final de carreira, ao ler os trechos selecionados que publico abaixo.
No final deste post comento uma coincidência digna de Natal: por uma destas finas ironias da vida, na seção “Há 50 anos” da mesma edição de O Globo, o jornal publica a nota “Pelé dá lição de humildade a colegas”, escrita quando o futuro Rei ainda estava apenas começando.
Primeiro, Roberto Lima Netto:
“Uma epidemia assola a civilização ocidental e se espalha rapidamente pelo mundo.
Ronaldo, um menino bom de bola, descoberto no São Cristóvão, de saudosa memória, passou por grandes clubes no Brasil e no mundo. Teve a sorte de fazer carreira em um tempo em que os bons esportistas nunca foram tão bem remunerados pelo uso de sua imagem.
Provavelmente, Ronaldo ganhou, em um único ano, mais do que Pelé em toda sua carreira. Ronaldo é milionário, mas está doente, uma perigosa doença do mundo moderno.
E qual é essa doença?
O homem ocidental acha que a felicidade se compra com dinheiro. Se está infeliz, compra uma casa nova, um carro novo, dois, três. Essa doença se chama materialismo. Muitos ainda não perceberam que a satisfação da próxima compra é fugidia, dura pouco tempo.
Para comprar mais, alguns trabalham mais e mais, dezesseis horas por dia, inclusive sábados e domingos. Têm que subir na vida, têm que ganhar mais dinheiro para, depois de ricos, serem felizes. Será que serão?
Deixando em segundo plano a família, sem tempo para os filhos, que tentam comprar com grana, não entendem quando eles se perdem nos descaminhos da vida(…)
Voltemos ao nosso herói, Ronaldo, cujo problema não é excesso de trabalho, mas de dinheiro. Ele declarou que o Flamengo é seu time de coração. Com a fortuna que ganhou, poderia jogar mesmo sem salário. Seria um golpe magistral, e vou explicar a razão.
Ronaldo sofre a doença do materialismo. Deixou de lado a felicidade de jogar no time do coração para ganhar uns trocados a mais _ para ele, trocados mesmo (…).
Estamos usando um episódio da vida de um homem famoso, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, em busca de uma lição. O homem atual se ilude quando pensa que mais dinheiro lhe trará mais felicidade. Felicidade não se compra com dinheiro. Às vezes, até atrapalha”.
Volto eu. Agora vamos voltar 50 anos no tempo e falar de um episódio do início da carreira daquele que se tornaria o maior jogador de futebol e o brasileiro mais famoso de todos os tempos. Saiu em O Globo de 19 de dezembro de 1958, seis meses depois do futuro Rei se sagrar campeão do mundo, aos 17 anos, na Suécia:
“O craque Pelé, da nova geração do futebol brasileiro, acaba de dar um grande exemplo aos seus colegas velhos e novos. O artilheiro recordista do Brasil _ fez 58 goals este ano _, encontrando-se com o presidente da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, afirmou que estava pronto para disputar uma vaga na seleção para o Sul-Americano. Declarou, ainda, que deseja fazer goals em Buenos Aires.
Mas pedia apenas uma coisa aos dirigentes do futebol bandeirante: “Espero poder passar o Natal e o Ano Novo com a minha mãe, em Bauru. Depois estarei o ano todo à disposição do Santos, da FPF e da CBD”. Para um jovem de 18 anos, nada é preciso acrescentar.”
Nem eu acrescentaria mais nada, se, ainda na mesma edição do mesmo jornal, não tivesse lido uma notinha publicada na coluna do competente Renato Maurício Prado sobre a demissão do ex-craque Adílio, que dirigia os juniores do clube há quatro anos, com ótimos resultados:
“Bebeto, companheiro do técnico em seus tempos de jogador, se diz inconformado e preocupado com a atual situação das divisões de base rubro-negras. Cogita até transferir seu filho Matheus, de 15 anos (uma das maiores promessas do clube), para o São Paulo”.
Bebeto pai, hoje apenas torcedor do Flamengo, certamente está mais preocupado com a felicidade do que com o dinheiro que Matheus filho pode ganhar na vida. Para isso, nem precisa ser um novo Pelé. Basta não virar um novo Ronaldo, o triste menino rico do nosso futebol.

Fonte: Balaio do Kotscho

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