terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
A revolução é online e offline
Tentar definir a mobilização popular no Egito como um "milagre da internet" é tão improdutivo quanto ignorar a força da rede na mobilização dos jovens e na transmissão de informações. Por Felipe Corazza. Foto: AFP
A revolução popular em curso no Egito já tem um efeito colateral curioso: a trincheira aberta na discussão sobre o uso da internet – mais especificamente das redes sociais – e dos telefones celulares nos protestos. De um lado, defensores da ideia de que esta é uma “revolução de Facebook e Twitter”. Do outro, as opiniões de que a internet não leva as pessoas às ruas e de que celulares não derrubam governos.
O primeiro ponto de vista ignora que o acesso à web no Egito ainda é relativamente baixo – cerca de 20% da população conectados -, com um número ainda menor para redes sociais. O número de usuários do Facebook fica perto de 5,2 milhões de pessoas, menor, por exemplo, que o número de seguidores de Barack Obama no Twitter. Da população geral, os conectados à rede de Mark Zuckerberg são 6,46%.
Na questão dos celulares, o número de cidadãos conectados não é tão importante quanto a limitação do serviço. Uma das primeiras medidas do governo do ditador Hosni Mubarak quando notícias dos protestos começaram a se espalhar foi cortar parte dos serviços de telefonia móvel. Com uso restrito, os telefones de pouco serviram para organizar mais protestos, convocar mais manifestantes ou mesmo para a imprensa.
Além das restrições físicas, as técnicas de contra-informação também limitam a possibilidade de protesto eletrônico. Um exemplo: o serviço da Vodafone, operadora de telefonia móvel com 26 milhões de clientes no país, enviou mensagens de texto (SMSs) favoráveis ao governo durante a crise atual.
A operadora emitiu um comunicado esclarecendo não ter culpa no envio das mensagens, já que a Lei de Telecomunicações egípcia confere à agência regulatória do país o direito de enviar os SMSs em caso de emergência. Mas, enquanto se exime de responsabilidade na nota oficial, a Vodafone mantém sua marca como patrocinadora do portal governamental egípcio.
Agora, ao outro lado da moeda. Apesar das limitações claras, o ceticismo total em relação à força da internet nos protestos também é descabido. Há quem apele para comparação com revoluções e protestos anteriores, algo como “não havia internet em 1917 e os russos fizeram a revolução”. Do ponto de vista objetivo, a frase é perfeita. Mas o sentido dado a ela é distorcido.
Ainda utilizando os números de acesso ao Facebook no Egito, 50% dos perfis no país pertencem a jovens entre 18 e 24 anos. Abrindo a faixa de idade para até 34 anos, tem-se 78% dos usuários da rede em território egípcio. Ainda que com alcance restrito, o Facebook é uma ferramenta de mobilização e contato com o mundo para uma parcela importante da população.
Tecnologia e redes sociais têm, no entanto, funções bem mais relevantes do que apenas mobilizar e chamar às ruas. A transmissão de informações em formatos diversos é parte deste processo. Entrando na onda de memórias de revoltas passadas, é interessante comparar o que ocorre na Praça Tahrir, no Cairo, ao que se passou na Praça Tian’anmen, Pequim, em 1989.
Enquanto os manifestantes se concentravam na praça chinesa exigindo a abertura democrática do país, paramilitares passeavam pelos hotéis e prédios das redondezas confiscando as pesadas câmeras de vídeo e os igualmente pesados equipamentos de transmissão. Em pouco tempo, o registro de imagens da praça foi quase totalmente restrito – exceção ao cinegrafista da agência France Presse que conseguiu esconder uma fita contendo a clássica cena do rebelde enfrentando os tanques. No conforto de um “apagão” jornalístico, soldados e paramilitares invadiram a praça em um dos massacres mais relembrados da história recente.
Voltando ao Cairo, 2011. Telefones celulares com câmera, gravadores e câmeras digitais ultra-compactas permitem registro permanente de imagens e sua transmissão pela internet (com repercussão imediata nas redes sociais). Se não impede totalmente a violência, tal cobertura “independente” constrange o governo Mubarak a evitar um massacre nos moldes de Tian’anmen. A Al Jazeera, emissora de TV do Catar, transmite, no momento em que escrevo, ao vivo da praça Tahrir. O sinal do site oficial caiu, mas a página da emissora no Facebook resolve esse problema, com o vídeo direto.
Repórteres também conseguem maior segurança com as tecnologias avançadas. O correspondente da Rede Globo, Ari Peixoto, e seu cinegrafista desistiram da câmera convencional quando a batalha na praça ficou mais intensa. As imagens exibidas nos principais jornais da emissora nesta quarta-feira 02 foram feitas com um mero celular. Peixoto era só mais um cidadão comum, ao lado de um amigo, filmando o evento histórico com seu aparelho de telefonia móvel. E ninguém os importunou.
Classificar os acontecimentos no Egito de Revolução do Facebook ou atacar ferozmente esta nomenclatura é pouco produtivo. Tratar a internet como algo que existe de forma separada, alheia à “vida real”, é a maneira mais eficaz de chegar a lugar nenhum neste debate. Assim como fica evidente o reforço dado pela conexão à rede e às mídias sociais, é prudente combater a ingenuidade e o sentimento de que uma “hashtag” no Twitter pode, de per si, mudar o mundo.
A briga no Egito é grande, vem de longa data e a web é mais uma ferramenta. É de bom tom lembrar que há inúmeros agentes políticos envolvidos, grupos, clérigos, diplomatas, espiões e governos. E estes não deixaram de existir e atuar nas sombras com o advento do Facebook e do Twitter. Os serviços secretos, os estrategistas de bastidores, os ideólogos de teocracias e outros agentes não abandonaram seus movimentos e precisam ser incluídos nesta conta. As peças do xadrez internacional não viraram, de uma hora para outra, apenas seus vizinhos de Farmville.
Fonte: Revista Caros Amigos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário